Aos 69 anos Bowie regressa em força e com uma nova abordagem, provando uma vez mais que é o artista mais completo dos últimos 50 anos.
Bowie regressou hoje às lides discográficas com mais um álbum de canções ousadas. “I can’t give everything away” é uma das músicas mais bonitas do novo disco, Uma música que começa com acordes de “A new career in a new town”, de Low, e de “Thursday’s Child”. a primeira de um disco com Berlim na alma e a segunda de “Hours”. Como diz a canção, um homem não pode abandonar tudo e Bowie não o faz, olha para a frente, como sempre o fez, mas neste movimento perpétuo não esquece o seu legado, nem podia, um legado que deixou em 28 álbuns de estúdio e onde antecipou tendências, brincou com outras tantas.
Aos 69 anos lança Blackstar. Camaleónico, volta a transpor em disco os sons dos lugares por onde passa. Fê-lo com os discos iniciais, qual London Boy, transmitindo o mood da Londres dos Mods, foi ao espaço ao mesmo tempo que o primeiro homem foi à Lua, compondo a música para uma Odisseia Espacial enquanto os hippies fumavam erva em festivais ao ar livre, brincou com os vestidos das amigas quando Londres era uma maluquice psicadélica e andrógina, criando um personagem alienígena que matou depois em palco. Muito dado a futurismos deu um piscar de olhos a George Orwell e ao grande irmão deste e criou um disco de lendas futuristas e apocalípticas.
No meio da loucura criou outro personagem, A Lad Insane, e virou-se para a América. Lançou-se ao rock americano e anos depois vestiu-se de duque e de branco e virou-se para a soul: Quase morria de tanta coca e foi ao espaço e voltou num filme que agora é uma peça na Broadway. Deixou a América, pegou num avião e regressou à Europa e, de estação em estação, chegou a Berlim onde fez três discos brilhantes com o mago Eno, deixou as drogas na companhia de Iggy Pop, pintou a manta nessa cidade alemã sitiada e lançou-se aos sintetizadores e às electrónicas e ao experimentalismo. Com o seu bom gosto produziu discos de Iggy Pop e de Lou Reed e andou pela 7ª arte onde fez de gigolo num filme onde contracenou com Marlene Dietrich e apaixonou-se por um carcereiro japonês num filme de Oshima.
No início dos anos 80 lançou mais um disco emblemático, chamando para um vídeo clip Steve Strange, o rosto mais visível de um movimento de Novos Romanticos para os quais Bowie era referência máxima. Em seguida piscou o olho ao resto do mundo e convidou todos a dançar. Fez uma banda para tentar passar despercebido, voltou aos discos a solo, namorou com o mainstream mas não se deu bem, brincou ao drum n bass e, lentamente e com Heathen voltou às sonoridades mais obscuras.
Já neste século voltou a Berlim num disco onde se perguntava onde estamos todos agora, um disco de revisitação da cidade e dos sons, foi o tema de uma exposição perfeita e completa, de ir às lágrimas, e regressa hoje com mais um disco onde namora as sonoridades jazz de vanguarda e a electrónica e com isto prova uma vez mais que é o artista mais completo dos últimos 50 anos.
Muitos parabéns, David Bowie.
Carlos Tomé Sousa