O jornal brasileiro “O Globo” meteu a pata na poça esta semana com uma notícia sobre a supermodelo portuguesa Sara Sampaio, ao referir que vinha “lá da terrinha”. Exmos senhores jornalistas brasileiros e população em geral desse país colorido, para evitar mais incidentes, aqui vão alguns esclarecimentos.
O Portugal das redes sociais e dos jornais online reagiu esta semana indignado a uma notícia publicada no Brasil e onde, a dada altura, refere que a super modelo, uma das estrelas dos desfiles da Victoria’s Secret e com uma invejável carreira internacional, vem “lá da terrinha”. Em sua defesa o Brasil afirma que o termo até é carinhoso. Lamentamos informar mas não é essa a nossa percepção, muito menos a vossa. Tanto aí como aqui, quando nos referimos à terrinha, estamos a pensar em aldeias sem luz bem lá no cu do mundo, em couves, jericos, velhinhas com bigode, tascas, tintol, ranchos folclóricos e festas populares. Tudo coisas que cabem cada vez menos no Portugal moderno e que existem cada vez menos na terra dos vossos antepassados que emigraram para o Brasil e que aí ficaram com uma imagem de Portugal cristalizado no tempo. Nas aldeias já não é preciso ir à mercearia fazer um telefonema, a D. Etelvina pega no smartphone e usa o Whatsapp. As couves, toleradas no Natal, não deixam de ser uma aberração, e como diria um ilustre jornalista e escritor nosso, a couve galega que insiste em crescer nos nossos quintais é inimiga da modernidade. As couves de loiça, são moda mas vão deixar se ser. Quanto aos burros, estão confinados a santuários onde tentamos salvá-los da extinção. As velhinhas já não têm bigode há muito e as que não têm acesso aos salões de beleza beneficiam dos serviços de cabeleireiras que vão em carrinhas pelas aldeias e lhes fazem permanentes e tiram o buço. As tascas também estão na moda, mas como qualquer moda, daqui a pouco ninguém vai ter mais pachorra para tanto tintol, chouriço, salpicão, farinheira e alheira. Os ranchos folclóricos são uma praga, suportamo-los quando estamos bêbedos como um cacho, vamos à terra e nos estala o verniz após a 327ª cerveja mini. As festas populares igual. Ao fim de dois dias de cheiro a sardinha assada e musiquinhas da treta tomamos um banho de imersão e despejamos um frasco de YSL em cima e saímos a correr para o Lux para dançar música electrónica.
Os portugueses não têm terrinha. São todos chiques. Se perguntarem por aqui verão que nasceram todos na Foz ou na Boavista, no Porto, no Restelo ou na Avenida de Roma, em Lisboa. No Brasil a coisa é mais ou menos a mesma. Toda a gente fala com ternurinha do primo de Goiânias ou de Espírito Santo como quem olha para um espécime raro e fofinho que traz umas comidinhas gostosas lá da “terrinha”. A terrinha para vocês também é isso, o lugar onde não querem voltar, “Deus-me-livre!”. As únicas pessoas que convivem bem com a terrinha são aquelas que mandaram a terrinha às urtigas, cá e lá. É óptimo viver em Nova Iorque e ir comer uma sandes de leitão a Nova Jérsia, viver em Paris e comer uma vaca atolada no restaurante brasileiro do bairro, mas chega. Portugal é um país desempoeirado. Os únicos portugueses que ainda usam o termo terrinha emigraram. Aqui ninguém fala de “terrinha” do mesmo jeito que vocês. E dizer que fulano vem da terrinha é o mesmo que chamar caboclinho ao primo do interior. O termo não é nem nunca será pacífico. Eu se fosse a vocês não usaria. É o que dá aprenderem português com o Roberto Leal.
Carlos Tomé Sousa