Author Archives: Carlos Tomé Sousa

Portugal in briefs – The land of opportunity

The Portuguese government is trying to solve the housing problem but this is no easy task in a country where the real estate opportunities in the hotspot of world tourism are way too appealing.  

The Portuguese government is currently proposing a set of measures to solve the housing problem. This is a Herculean task and the measures are far from consensual. The country has reached unprecedented popularity in recent times and became an appealing destination for tourism,  temporary or permanent residence and investment. Dwellings of all kinds were converted into tourist accommodation, competing with established hospitality structures. The housing stock underwent a major overhaul with thousands of flats now devoted to short rental, a market whetting the appetite of national and foreign investors spotting major financial opportunities here. Buildings have been renovated and, for many, tourism did its share to prevent old buildings in major cities from collapsing. The modest country that likes to praise its humility now stands tall. This is no mean feat. The capital regained its lost glory and now rivals Paris, London and many other world cities in terms of tourist destinations and prices. For many years, those in power rejoiced in light of the increase in the number of investors and the middle classes suddenly found a way to escape the relative poverty that is still there in a country of low and modest wages despite the many advances.
From the economic point of view, everything seems to be running smoothly. Families with incomes of Eur 800 now earn more than Eur 2000 euros a month, reconverting and reinventing themselves, now specialising in making beds and decorating rooms in the delicious art of hospitality. Typical city neighbourhoods have suddenly become cool and gentrified areas and if it weren’t for the lack of extras and by-standers, the scenario would be perfect. But the extras have long isappeared and with them the photo opportunities. Progress does not always favour the weak and the story of the new reconverted neighbourhoods no longer tells their story. Like a progrom, local communities were suddenly deported to the outskirts of the cities or to small towns. Living in Portuguese cities has become almost impossible, and after years of drinking the nectar and poison, the government is now trying to solve the housing problem in cities with obscenely high rents. But it will have no easy task, much less the support of a President who increasingly shows where he comes from, from the merciful and Catholic right wing, mindful of the poor and friend of the good people living off rents. The less afflicted middles class also promises a fight and the angry comments in the social media are there to prove it. After years of fascism and a revolution that was handed to the country on a silver platter by the military, Portugal has slowly made its way from “the land for those who work it” to “the property for those who pay the mortgage”. The housing stock relies on a very high percentage of owners. Around 70 per cent of the population own the place they live in, modest people who have worked all their lives and will continue to work even more to pay the mortgage, as there is nothing like having something of our own. The government is thus left with little support. let alone the solidarity of the army of property owners who blame the poor for not wanting to work and tenants for not paying the rent, a narrative that seems to suit those on other side of the fence who oppose the government scheme. It takes two to tango and we fear that when it comes to try to change things on the housing side the government will be spinning round on its own in the ballroom of this newfound land, a booming land where everyone is eager to have a big slice of the pie before the bubble bursts. And when it does well, like in the pandemic, there is always the government, thank God!

Carlos Tomé Sousa

#Portugal in briefs

A criminalização da solidariedade

 

Uma das figuras que inspirou o filme “As nadadoras” incorre numa pena de 25 anos de prisão por auxiliar migrantes na costa grega.

[Spoiler alert]. O filme “As nadadoras”, exibido pela Netflix, conta a história de duas refugiadas sírias que, após uma travessia turbulenta num barco de borracha, conseguem chegar finalmente a porto seguro na Alemanha. Nadadoras de competição com uma vida perfeitamente normal, decidem abandonar a Síria quando o conflito rebentou no seu país e os amigos à sua volta começaram a ser mortos. Tal como muitos, decidem arriscar e confiar em que promete uma travessia segura até à costa grega, a troco de muito dinheiro. Aglomerados num barco com excesso de capacidade o filme relata como Sarah Mardini e sua irmã decidem, a dada altura, lançar-se à água e, com ajuda de cordas, nadarem e puxarem o barco cujo motor parara, deixando-os à deriva no mar. Graças à energia e heroísmo das duas irmãs os dezoito ocupantes conseguem chegar sãos e salvos à costa grega onde iniciam um tortuoso percurso por terra até ao centro da Europa, na esperança de chegarem à Alemanha. Ao fim de milhares de quilómetros por terra a atravessar fronteiras e contratarem passadores, graças à boa vontade de equipas alemãs de apoio a migrantes, conseguem chegar a Berlim onde são alojadas num enorme acampamento montado no desativado aeroporto berlinense de Tempelhof. É nesta cidade que conseguem retomar uma certa normalidade e voltar à natação, desporto que praticaram desde sempre e acumularam medalhas. Mas a memória da aflição vivida na dura travessia num barco de borracha frágil não sai da cabeça de Mardini, uma das irmãs, que decide voltar assim às costas gregas para ajudar aqueles que chegam, os que conseguem chegar, exaustos e muitas vezes sem nada, todo o dinheiro que tinham usado para pagar uma viagem insegura e perigosa, e muitos dose seus haveres perdidos para aliviar a carga.

Mas a vida de Mardini voltaria a sofrer um novo revés. Depois de um longo período a prestar apoio num campo de refugiados é presa com 22 pessoas mais, passando 100 dias na prisão. E eis que após uma série de adiamentos terá lugar agora o julgamento de Mardini, acusada pelas autoridades gregas de associação criminosa, tráfico de seres humanos, espionagem e uso ilegal de radiofrequências e cuja pena pode ir até 25 anos de prisão. As reações não se fizerem esperar, do Parlamento Europeu à Human Rights Watch, perante aquilo que muitos classificam como uma criminalização da solidariedade, com a Amnistia Internacional a afirmar que este julgamento mais não é do que uma forma de desencorajar a assistência humanitária aos refugiados que dão à costa do país. A comprovar-se a intenção do governo grego de condenar Mardini, que aguarda julgamento em liberdade após ter saído da prisão mediante pagamento de uma caução, isto representa um rude golpe para as associações humanitárias que envidam todos os esforços para salvar migrantes nas costas do sul da Europa, gente desesperada, pessoas como nós, que foram apanhadas pela guerra e que fazem literalmente tudo para escapar a uma morte quase certa em muitos casos. Neste, sentido, “As nadadoras” é um filme obrigatório pela forma como retrata a fuga em frente de pessoas que não têm nada a perder.

Carlos Tomé Sousa

A filhó assassina

Há uns anos fui com os meus pais passar o Natal a casa de uns amigos do norte, gente querida e generosa e de mesa farta. Chegámos, cumprimentámo-nos e fomos conduzidos logo para a  mesa. De entrada uma canjinha recheada de carne de todos os tipos, assim para aconchegar. Aquilo não era consomé, era para consumir qualquer um. Em seguida chegou o bacalhau, uma travessa gigante de postas e mais postas, batatas e um tapume enorme de  couves. Ainda não tinha alugado um segundo estômago e já lá vinha um segundo prato, perna de peru do campo, não fosse a fome apertar. Não era opcional, era de consumo obrigatório. As gentes do norte são queridas mas há ali algo de viking na sua ânsia de nos fazerem comer três vitelas seguidas… com batatas. Em seguida veio a sobremesa, não uma nem duas, várias sobremesas de todo o tipo. Já com o segundo estômago cheio, bebi com sofreguidão o digestivo e o café na esperança de encontrar paz gástrica. E eis que surge ameaçador um prato de bojudas filhós, uns aliens gigantes e açucarados que vinham ali com intenção de me aniquilar certamente. Protestei, esbracejei, esperneei mas não havia nada a fazer, em três tempos a amiga do norte conseguira enfiar-me um desses paquidermes açucarados pela goela abaixo. Ia morrendo!! Regressámos a casa e passámos a noite a beber agua das pedras e a tomar sais de fruta. Adormeci exausto e ainda hoje por altura do Natal tenho pesadelos, acordo a meio da noite perseguido por uma filhó gigante.
Nunca mais passámos o Natal com amigos do Norte.

Carlos Tomé Sousa