E conteúdo que é bom, nada!

 

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O País fervilha de eventos. Festivais, inaugurações, desfiles, lançamentos, está tudo registado online, instagramado, pixelizado. Uma bebedeira visual colectiva. E no meio de tanta pressa ninguém tem dois minutos nem para contar um conto nem para acrescentar um ponto. Toma lá doze mil pixéis, e pronto!!

São duas da tarde e na varanda do museu milhares de pessoas acotovelam-se para encontrar o melhor ângulo para a foto com o rio ao fundo. “Eu estive lá”, lê-se no hashtag escrito no Instagram e partilhado no Twitter, no Pinterest, no Google+ e no Facebook. Esteve você e estiveram milhares de pessoas. São muitos os ângulos, mas o ângulo é sempre o mesmo. Uma estrutura a lembrar a nave espacial Enterprise e milhares de seres na ponte em êxtase intergaláctico. Um ângulo fácil, rápido, como se quer, que não há tempo a perder. Lá dentro o acervo promete, diz-se que é um dos museus mais interessantes da capital. Procuramos fotos do mesmo, mas nada, zero. Estava muito cheio, nem entrámos, não faz mal, lemos depois no jornal!

Já passa das 11 da noite e um cantor com um ar estranho de androide paranóico, serve de pano de fundo para uma selfie com três meninas louras com chapéu de palha de uma marca de bebidas. O espaço está apinhado, vieram todos para ver a banda sensação da intelligentsia musical. 15 minutos depois, mais uma foto das três meninas e um DJ louro ao fundo. Toca às vezes na maior discoteca da cidade e o set no festival promete. Prometeu e cumpriu que aquilo estava cheio de gente gira, olha só as fotos que coloquei no Instagram. Ao fundo o cantor androide ainda continua em palco. “No surprises”, canta com voz dolente. Querido, mas um bocadinho deprimente! No surprises, quando há tanta coisa gira para fotografar?!

O evento já vai no terceiro desfile e ainda bem que ofereceram aqueles powerbanks que o pessoal estava a ficar sem bateria. De um lado da barricada dezenas de jovens jornalistas e bloggers fotografam incessantemente vestidos, sapatos e TV personalities. Têm instruções muito precisas. Há que alimentar a máquina online da revista, do jornal, do site. Estes novos repórteres já não procuram histórias. Foram mobilizados, têm que dar o litro, durante três dias o que conta é o digital. O pixel deu lugar ao caracter, há que dar o que a gente quer. Os tecidos eram veludo, cetim ou organza? Não sei, nem reparámos, não perguntámos, esqueça! Temos que ir a correr instagramar os bastidores, estamos com pressa!

Carlos Tomé Sousa

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