
O dia 13 Maio vai ficar para a história por ter congregado num só dia três acontecimentos que galvanizaram o país, desde a visita do Papa à vitória do Benfica e que culminou com a vitória no Festival da Eurovisão. Uma dia marcado pela celebração de diversos credos.
Ainda o dia não tinha nascido e já os ecos da fé se faziam ouvir por todo o país no local ou transmitidos pela rádio e televisão. Numa pequena cidade do interior centenas de milhares de pessoas preparavam-se para mais um dia de verdadeira experiência sensorial, depois de uma noite de reflexão no cenário magnífico da procissão das velas. Vindas de todo o mundo e num ritual que se repete duas vezes por ano, para muitos as celebrações deste 13 de Maio tinham um sabor especial, abençoadas pela presença do Papa, um argentino directo e muitas vezes polémico e que já levantou mais poeira na Igreja Católica do que meio milhão de pessoas num descampado. Visivelmente emocionado apelou à paz no mundo, ao diálogo e à tolerância e honestidade para connosco próprios e até mesmo a uma maior seriedade na forma como se recorre à Virgem. Os momentos de silêncio alternaram com momentos de júbilo e de saudação ao Papa que antes se comovera visivelmente durante a procissão do adeus, momento alto das celebrações e que não deixa ninguém indiferente, emoção em estado puro.
Mais a Sul e já com o país devidamente abençoado e por tão ilustre visita celebrava- se outro culto. No metro, a caminho do estádio cruzavam-se já peregrinos acabados de chegar e com as suas cadeiras de campismo com adeptos envergando a camisola vermelha do Benfica, provavelmente o clube de futebol com mais adeptos do mundo. A possibilidade do clube se sagrar tetracampeão movia milhões e a cor vermelha predominava por toda a parte. Ainda o jantar não estava na mesa e já meia nação voltava a entrar em êxtase desta vez com a vitória esperada. Estava de novo instalada a comoção geral. Os abraços da paz na missa de Fátima davam lugar a abraços fortes, a gritos entoados um pouco por todo o lado. E se antes todos os caminhos iam dar a Fátima agora todos levavam ao Marquês de Pombal onde 200 mil pessoas celebravam em júbilo.
Com o jantar já bem regado, perto da hora da sobremesa um novo acontecimento voltava a agregar o país. De longe, de Kiev, começavam a surgir indícios de mais uma vitória, quase um milagre. Douze points, twelve points for Portugal ouvia-se na televisão colocada no máximo. E à medida que a noite decorria, a vitória afigurava-se cada vez mais como certa. Um rapaz de ar descuidado cantava uma canção de amor melancólica e estava em vias de conquistar meio mundo. O povo que já chorara de devoção e de emoção nesse mesmo dia seria uma vez mais movido por uma geral comoção. Portugal ganhava o Festival. Salvador Sobral somara pontos atrás de pontos e tentava com uma afirmação ganhar mais ao defender a música feita com sentimento, a música que ele considera verdadeira, como se a música não fosse um artifício para nos fazer sonhar ao som da voz ou do instrumento que mais nos bater. Herdeiro de uma tradição musical que vai beber muito a um certo nacional cançonetismo, à música brasileira e ao jazz quis ser um OVNI num festival ultimamente mais pop que romântico. Mas não foi. Num dia marcado por 3 verdadeiros encontros imediatos do terceiro grau teria ganho mais se não tivesse traído a sua simplicidade. Com um reparo infeliz e uma música que é bonita mas não é excepcional cuspiu na sopa de um evento que o recebeu bem e que o acarinhou… e que celebrava a diversidade. Com a sua aparente genuinidade não esteve nem de longe nem de perto ao nível de um Papa genuíno nem de um Benfica grande e que até o celebrou. Papa douze points, Benfica douze points, Sobral huit points.
Carlos Tomé Sousa
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